Portugal e a Europa. A ilegalidade dos Impostos sobre automóveis - ISV e IUC
Os
automobilistas nacionais desde sempre foram encarados como um fonte
de receitas muito importante para o Estado, por outro lado tendo em
conta que Portugal não é uma grande nação produtora de
automóveis, tal levou a uma grande incidência de impostos, sobre os
automóveis e combustíveis.
Desde a
entrada de Portugal na então denominada C.E.E., que alguns de nós
esperaram que eventualmente deixassem de existir obstáculos à
importação de veículos de outros estados membros. Ora rapidamente
se desfizeram as ilusões, pois que o apetite voraz do estado não
iria abdicar de quaisquer receitas, pelo que a carga fiscal sobre os
automóveis não se aliviou.
De facto
os Portugueses, não têm por hábito reclamar e intentar acções
contra o estado, especialmente em matéria de impostos sobre
automóveis, cujos valores em causa nunca são muito elevados, ainda
assim, alguns contribuintes não aceitaram a legislação
implementada, e os pagamentos que lhes exigiram, requerendo a
devolução dos mesmos, em acções por si intentadas nos tribunais
fiscais, sempre com fundamento na violação do tratado da CEE,
situações que depois de correrem o percurso dos tribunais
nacionais, por via de recurso acabaram por serem analisadas no actual
Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), o qual na maior parte
dos casos, (Ex.º : Acórdão Nunes Tadeu, Acórdão Gomes Valente)
declarou que o imposto automóvel Português violava o Tratado da
CEE, pelo que os tribunais nacionais emitiram sentenças, nesses
casos, obrigando o Estado à devolução do valor pago de imposto
automóvel a esses contribuintes.
E numa
dessas decisões (Ac. Nunes Tadeu) o TJUE escreveu :
“A
cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos
usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo
95.° do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem
tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante
residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis
usados semelhantes já matriculados no território nacional.”
Ora não
obstante essas vitórias dos contribuintes, o que é certo é que o
Estado Português, seguramente contando com a natureza pouco
reivindicativa do contribuinte médio, e contabilizando a relação
entre os Impostos cobrados e os que eventualmente teria que devolver,
sempre no final de alguns anos e com muito trabalho e despesas para
os contribuintes mais inconformados, percebeu que neste caso “o
crime compensa”, pelo que não mudou quase nada na sua orientação
na área da política fiscal, limitando-se a fazer meras alterações
cosméticas, para não se dar a ideia de um desrespeito total pelas
decisões do TJUE.
Actualmente
em matéria do actual Imposto Sobre Veículos(anterior Imposto
Automóvel), o último Acórdão do TJUE, (Ac C-200/15, contra
Portugal) foi em 16 de Junho de 2016, o qual declarou que o ISV para
os usados, violava o art.º110º do TFUE, pois que não tinha em
conta qualquer desconto nas viaturas usadas com menos de um ano, ou a
partir de 5 anos de antiguidade. Resultado, para 2017, a tabela do
ISV passou a efectuar descontos graduais desde o primeiro ano e a
partir dos 5 anos. Todavia, esse desconto deixou de incidir sobre uma
grande parte do imposto que é a calculada sobre as emissões de co2.
Pelo que essa legislação em nosso entender, continua de forma
flagrante a violar a mesma legislação comunitária.
E quanto
ao Imposto Único de Circulação (IUC), a situação actual é que a
interpretação feita do Código do Imposto Único de Circulação
pelo estado Português, é discriminatória contra as viaturas usadas
importadas, com matricula nacional depois de 30 de Junho de 2007. O
que viola o disposto no art.º110º do TFUE, pois que na prática,
as viaturas usadas importadas e matriculadas até 30-06-2017, pagam
um IUC, muito reduzido, e as usadas matriculadas em Portugal depois
dessa data estão sujeitas a um IUC, muitíssimo mais elevado
(existem diferenças de €60 para €650). Tal facto provoca
obviamente um desvio dos interessados, para adquirirem as viaturas já
com matricula nacional até 30-06-2017, impedindo ou pelo menos
onerando muito a importação das mesmas após essa data.
Numa
primeira fase as finanças ainda divulgaram instruções genéricas
sobre o IUC, numa circular, indicando que a data de matricula para
efeito de aplicação do novo regime IUC, para as viaturas usadas,
seria a data da primeira matrícula. O que teve como efeito, a
manutenção das importações de usados. Todavia, a partir de meados
de 2008, a prática, foi a de a AT, deixar de seguir a orientação
dessa instrução, começando a cobrar o IUC, aferindo apenas a data
da matrícula nacional.
Aliás
tal situação, levou a que à medida que os contribuintes se
aperceberam desse agravamento do imposto de circulação, passaram a
deixar de importar viaturas usadas, do tipo das que faziam até essa
data, passando as importações a focarem-se nas de pequena
cilindrada, e consequentemente menores emissões, situação que se
mantém até ao presente.
Todavia,
as reclamações que surgiram, com o início da aplicação do IUC,
com a aplicação para efeitos de taxa, apenas a data de matrícula
nacional, levou à existência de inúmeras queixas junto da Comissão
Europeia, a qual após analisar a justeza dessas reclamações, e
depois de ouvir as explicações de Portugal, ainda assim decidiu
notificar Portugal da abertura de um processo formal por
incumprimento contra Portugal. Infelizmente mais tarde, nessa fase,
do processo, a 14 de Março em 2011, a Comissão Europeia, numa
decisão em decidiu em conjunto algumas centenas de outros processos,
decidiu não avançou com o processo para o Tribunal, arquivando o
mesmo. Seguramente que nessa decisão teve muito peso o facto de ter
não havido qualquer tipo de contraditório, aos argumentos do estado
Português, por parte de qualquer dos queixosos.
Não
sendo de esquecer igualmente a Comissão é um órgão Executivo da
União Europeia, cuja acção se rege também por critérios
políticos e de conveniência, e não apenas por critérios jurídicos
como um tribunal, pelo é possível que a crise financeira mundial e
as sua consequências em Portugal, eventualmente também tenha pesado
nessa decisão.
Mas não
é por esse facto, que o imposto não deixa de ser ilegal e violador
do tratado da União Europeia, pois que de facto a sua aplicação é
discriminatória e aplica-se de forma mais penalizadora, às viaturas
importadas, do que as viaturas idênticas já existentes no mercado
nacional. Sendo assim violador do principio da neutralidade previsto
no art.º110º do Tratado Fundador da União Europeia.
Finalmente
não é pelo facto da comissão ter desistido do processo contra
Portugal, que se poderá entender que afinal o imposto é legal, ou
que a questão deixa de ter de ser colocada junto do TJUE, uma vez
que já foi determinado pelo mesmo Tribunal, em processos anteriores
o princípio de que :
“Por
conseguinte, há que responder à terceira questão que o facto de a
Comissão desistir de um processo por incumprimento contra um
Estado-Membro, quanto a uma determinada legislação, não tem
qualquer incidência sobre a obrigação, que incumbe a um órgão
jurisdicional de última instância desse Estado-Membro, de submeter
à apreciação do Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.°,
terceiro parágrafo, do Tratado, uma questão de direito comunitário
relativa àquela legislação.”
Aliás os
tribunais fiscais, já decidiram em vários casos que essa
discriminação do IUC, é ilegal, anulando as liquidações de
impostos, que não tiveram em conta a data da primeira matricula, mas
sim e apenas a data da matricula nacional.
Concluindo,
no final de 2017, passados mais de 40 anos após a adesão à CEE, a
presente situação a nível de Impostos e automóveis mantém-se, e
assim ficará enquanto tal for vantajoso para o estado, e só com a
iniciativa dos lesados, reclamando sempre, quer junto da comissão
europeia, quer agindo em tribunal contra as liquidações de impostos
feitas ilegalmente pelo estado Português é que eventualmente a
situação no futuro se poderá modificar.
José
Pedro Esteves Águas-Advogado
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